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SALA DE ESTUDOS

Filosofia e psicanálise

Psicologia das massas e análise do eu

Enviado pelo autor Por Carlos A. Eugênio Júnior

Muito se fala sobre a importância de Sigmund Freud para o pensamento ocidental. Isso significa que os escritos e as pesquisas realizadas por Freud provocaram uma enorme mudança na maneira como nós concebíamos a mente humana. Mas como funciona a mente de um indivíduo inserido num grupo social ou numa massa?

Primeiro movimento feito por Freud em sua obra Psicologia das massas e análise do eu é a apresentação da psicologia individual e da psicologia das massas como campos que se dialogam e se estreitam, apesar de uma análise prematura poder dizer algo diferente disso.]

O outro

Isso se deve ao fato de que o Outro, para Freud, se mostra presente como modelo, objeto, adversário e ou auxiliar em sua busca PARTICULAR incessante pela satisfação de seus impulsos instintuais.  Ou seja, mesmo se analisada como psicologia individual, será também possível atribuir caráter social a várias ações individuais que visam ou possuem o Outro como horizonte, dessa forma fica justificada não só a existência de uma psicologia das massas, mas também como ela se dá efetivamente nas ações individuais.

Desse ponto de vista, Freud sinaliza para uma demarcação entre aquilo que é um processo narcísico, essa como psicologia individual, e aquilo que mantém o Outro no horizonte, a dependência da mãe para a nutrição, por exemplo. Esses dois campos são identificados como distintos principalmente pela psicologia e essa distinção é não suficientemente capaz de demarcar a psicologia das massas ou social.

A influência dos “outros”

O que Freud acredita demarcar na psicologia das massas é o seu aspecto mais específico, quando falávamos da nutrição materna estávamos a descrever uma relação natural. O que chamamos psicologia das massas se mostra na medida em que um indivíduo se sente por algum motivo ligado a um grande número de pessoas e sofre influência constante simultaneamente de um grande número de membros desses grupos, assim como o sentimento de estranheza para com os membros do grupo.

A psicologia das massas aborda, portanto, a relação entre um indivíduo e outros indivíduos de uma mesma casta, classe, instituição, nação, povo, tribo. Para isto é necessário considerar e conceber os fenômenos que se fundamentam nessa relação social, o critério matemático não nos parece suficiente para a demarcação dos fenômenos sociais, ou seja, não seria apenas por ser influenciado por um grande número de pessoas simultaneamente que o indivíduo forneceria uma psicologia das massas.

Para Freud é preciso encontrar o que fundamenta o instinto social, instinto de rebanho, que não nos aparece nos, mas capaz de despertar, no sujeito, instintos inativos até então, trazendo algo de novo para o processo psíquico humano.

O instinto social não é inato, primário e indivisível, sua origem se dá no ceio da família.  

Freud acredita que o trabalho que realizará representa apenas uma pequena parte do grande itinerário que a psicologia das massas demanda, para o autor serão poucas as questões retiradas dessa discussão a serem aproveitadas pela psicanálise, ou pela psicologia das profundezas, como salienta o autor.

Mesmo que esses fenômenos fossem inteiramente descritos e observados, questões ainda surgiriam segundo Freud:

O que faria um indivíduo agir diferente de seus instintos e se influenciar por outros que a ele são estranhos?

O que é uma massa? Massa psicológica, alinhamento numa multidão.

Como a massa acessa o individual?

Como é a mudança psíquica que ocorre no indivíduo que se submete a essa massa?

Ainda para Freud:

É no indivíduo que podemos observar essas transformações e dessa forma ter um primeiro acesso a essas questões e a esse itinerário.

Citação freudiana de Le Bon:

 “O fato mais singular, numa massa psicológica, é o seguinte: quaisquer que sejam os indivíduos que a compõem, sejam semelhantes ou dessemelhantes o seu tipo de vida, suas ocupações, seu caráter ou sua inteligência, o simples fato de se terem transformado em massa os torna possuidores de uma espécie de alma coletiva. Esta alma os faz sentir, pensar e agir de uma forma bem diferente da que cada um sentiria, pensaria e agiria isoladamente. Certas ideias, certos sentimentos aparecem ou se transformam em atos apenas nos indivíduos em massa. A massa psicológica é um ser provisório, composto de elementos heterogêneos que por um instante se soldaram, exatamente como as células de um organismo formam, com a sua reunião, um ser novo que manifesta características bem diferentes daquelas possuídas por cada uma das células”.

Segundo Freud, Le Bon não responde ao que une essas células. Contudo, a citação de Le Bon, feita por Freud, se alinha aos pressupostos básicos da psicologia profunda (psicanálise):

“Constata-se facilmente o quanto o indivíduo na massa difere do indivíduo isolado; mas as causas de tal diferença são menos fáceis de descobrir. “Para chegar a vislumbrá-las, é preciso recordar primeiramente esta observação da psicologia moderna: que não é apenas na vida orgânica, mas também no funcionamento da inteligência que os fenômenos inconscientes têm papel preponderante. A vida consciente do espírito não representa senão uma pequenina parte, comparada à sua vida inconsciente. O analista mais sutil, o observador mais penetrante chega a descobrir apenas um número pequeno dos móveis inconscientes que o conduzem. Nossos atos conscientes derivam de um substrato inconsciente formado, sobretudo de influências hereditárias. Este substrato encerra os inúmeros resíduos ancestrais que constituem a alma da raça. Por trás das causas confessas de nossos atos, há sem dúvida causas secretas que não confessamos, mas por trás dessas causas secretas há outras, bem mais secretas ainda, pois nós mesmos as ignoramos. “A maioria de nossos atos cotidianos é resultado de móveis ocultos que nos escapam”.

Quando estamos imersos numa massa, nossa estrutura mental preparada para a satisfação de nossos instintos individuais é desautorizada e impedida de continuar, as relações inconscientes comuns à raça humana se mostram operante e assumem as rédeas dos pocessos psíquicos. Os traços de memórias são destacados por Le Bon como resíduos ancestrais. Isso explica o motivo que leva um indivíduo agir de forma diferente por estar junto a outros, ou seja, em turma o ser humano é capaz de ações que não seria capaz de fazer de forma isolada, sozinho.

Características novas adquiridas por um indivíduo através da inserção desse indivíduo numa massa.

Poder invencível

Esse poder seria capaz de possibilitar ao indivíduo a satisfação de instinto que estando sob as rédeas de sua consciência particular trataria de manter sob controle. As características novas oriundas na relação entre o indivíduo e a massa é, para Freud, o manifestar de instintos inconscientes e não “novas” no sentido forte da palavra.

Contágio mental

Efeito da sugestionabilidade, quando inserida na massa as ideias fluem facilmente e influenciam de forma direta os processos mentais dos membros da massa. Numa massa todo sentimento, todo ato, é contagioso. EVIDENTE, PORÉM INEXPLICÁVEL. Quando o indivíduo abandona seus interesses pessoais em prol de um interesse coletivo. Contudo, Freud acredita que a fonte do contágio se dá na medida em que os indivíduos se contagiam entre si, essa simultaneidade garante 

Sugestionabilidade

A hipnose como exemplo de sugestionabilidade. O indivíduo não mais consciente de seus atos oferece campo para a massa agir como guia, instintos são destruídos enquanto outros são levados a extremos, o sujeito age segundo uma sugestão, que no caso das massas é uma sugestão contagiosa, pois todos os membros sofrem o mesmo processo de forma simultânea.

Quanto ao contágio, esse se fundamenta na relação isolada entre um indivíduo e outro, porém no caso da sugestionabilidade Le Bon não esclarece acerca daquele que faria o papel do hipnotizador, ou seja, a massa parece sugestionar os indivíduos, porém os personagens desse processo não são esclarecidos, ou pelo menos aquele que teria o papel fundamental de assumir as rédeas dos atos e sentimentos dos membros do grupo. Le Bon distingue a causa fascinadora da sugestão daquilo que ocorre no contágio entre os indivíduos.

A identificação entre a Alma da massa e o comportamento de povos primitivos.

Como nos diz Freud:

“Inclinada a todos os extremos, a massa também é excitada apenas por estímulos desmedidos. Quem quiser influir sobre ela, não necessita medir logicamente os argumentos; deve pintar com as imagens mais fortes, exagerar e sempre repetir a mesma coisa”.

Nas massas, ideias contraditórias de dois extremos não são assim separadas, ambas não implicam contradição, a escolha por uma ou outra é puramente sugestionável pela massa. Os aspectos individuais da consciência desaparecem cedendo terreno para as mais cruéis ideias e instintos humanos, quando está na massa, o indivíduo sai de seu desejo particular e se orienta como um bárbaro trazendo a tona os traços de memórias de povos primitivos a suas ações conscientes (basta lembrar das torcidas organizadas de futebol).

A moralidade das massas deve ser observada em seus aspectos mais sutis, se por um lado o ser humano é convidado a satisfazer seus interesses mais primitivos por meio das mais cruéis ferramentas, por outro ele é capaz de grande renúncia e até devoção a uma crença. Catalisação afetiva que ocorre na massa em um grau bastante elevado.

Dentro da massa o discurso tem potencialidades sobrenaturais, as palavras podem oferecer grande impacto aos indivíduos. Freud relembra o tabu primitivo com os nomes e palavras (nomes e palavras sagradas).

Outro aspecto próprio da massa é a sua despreocupação com a verdade, o real e irreal não se diferenciam tão facilmente, o poder das palavras é capaz de criar as mais diversas distorções na alma, e por este motivo se alinha com a necessidade de uma massa possuir um líder. O líder não é apenas qualquer um do grupo, o grupo se mostra passivo e sedento por um líder que representa uma ideia forte, ou seja, o líder é aquele que acredita numa ideia de maneira tão fanática que é capaz de transmitir essa crença aos demais membros do grupo, esses membros que antes se mostravam sem vontade agora possuem a mesma vontade do líder.

Prestígio artificial ou adquirido x Prestígio pessoal

Freud acredita que a grande herança de Le Bon é o fato de este ter dado um grande destaque a vida psíquica inconsciente, contudo tudo mais dito pelo autor não traz novidades, deste ponto de vista Freud tentará construir um diálogo entre Le Bon e outros autores que nos guiarão dentro do processo de compreensão da alma das massas.

Cito Freud:

“As duas teses que contêm os mais importantes pontos de vista de Le Bon, a da inibição coletiva da capacidade intelectual e a da elevação da afetividade na massa, haviam sido formuladas pouco antes por Sighele. No fundo, só restam como próprias de Le Bon as duas noções do inconsciente e da comparação com a vida anímica dos primitivos, também essas aventadas antes dele”.

UMA MELHOR AVALIAÇÃO ACERCA DA ALMA COLETIVA

            Para Le Bon a moralidade das massas pode ser mais elevada que a moralidade individual, uma vez que nas massas os indivíduos podem ser sugestionados aos mais altos níveis de desinteresse e devoção, ao contrário da moral individual que oferece sempre os interesses pessoais.

            Quanto à incapacidade intelectual nas massas, Freud acredita que as grandes descobertas do pensamento de enormes consequências são obtidas através de um trabalho solitário, porém ainda cabe se questionar em que medida esse pensador não é apenas um consumador dos pensamentos e atos da sociedade que o rodeia e das massas que o influenciam. Quanto ao que tange a essas descobertas geniais as massas também são capazes de criações de tal grandeza ao espírito.

            Ainda segundo Freud, a psicologia das massas pouco ou quase nada tem a oferecer a esses problemas oriundos em seu próprio terreno.

            Parece existir um primeiro tipo de massa, ou um primeiro nível de relação social institucionalizada, onde a alma coletiva se sobreporia ao sujeito de tal maneira que se mostraria inevitável a sua negação.

            Partindo de tais problemas Freud cita McDougall como o autor que também tentou solucioná-las. Segundo McDougall, em seu livro The Group Mind, num primeiro nível, no caso mais simples, a massa é desorganizada. A esse tipo de massa chamamos multidão. A condição para que uma multidão se reúna é um aspecto em comum, é um interesse compartilhado por um mesmo objeto, uma orientação afetiva simultânea, FREUD ACRESCENTA A CAPACIDADE DOS INDIVÍDUOS DE INFLUENCIAREM UNS AOS OUTROS.

            Quanto mais fortes forem esses fatores mais chances uma massa tem de se formar, esses aspectos não só evidenciam a massa psicológica, como também manifestam a alma coletiva.

O AUMENTO DA AFETIVIDADE NO SUJEITO.

PRINCÍPIO DE INDUÇÃO DIRETA DA EMOÇÃO POR MEIO DA RESPOSTA SIMPÁTICA PRIMITIVA.

NA MASSA OS AFETOS CAUSAM UMA INTERAÇÃO COMUM ENTRE OS SUJEITOS.

A CRÍTICA DESAPARECE.

DIFICULDADE EM SE OPOR A MASSA Nos parece ser mais seguro seguir os exemplos que estão ao redor.

É notável, portanto, que o indivíduo age numa massa diferentemente da forma como agiria caso não tivesse sido influenciado pela mesma, assim devemos entender o termo sugestão, para Freud esse termo impreciso é fundamental para se compreender a massa psicológica ou alma coletiva.

Ainda para McDougall as mentes mais elevadas são podadas pelas mentes menos elevadas dentro de uma massa, a afetividade entre os membros cria uma estabilidade intelectual. Ao serem intimidados pela massa os sujeitos não exercem de maneira adequada o trabalho mental, e em certa medida estão constantemente sugestionados agir em prol de um fator externo, a responsabilidade é do grupo e não mais apenas do indivíduo.

Para McDougall, assim como para Le Bon, a massa desorganizada está constantemente suscetível aos sentimentos e instintos mais grosseiros e pueris. Nesse contexto o sujeito se aproxima da pior face do inconsciente humano. Ainda para McDougall existem cinco fatores que elevam as massas desorganizadas a massas capazes de exprimir o que há de mais sublime das almas coletivas, cinco condições fundamentais para a elevação da vida anímica da massa ao um nível superior:

CONTINUIDADE MATERIAL E FORMAL

AFETIVIDADE DO INDIVÍDUO PARA COM UMA CONCEPÇÃO DE NATUREZA DA MASSA, O RECONHECIMENTO DO INDIVÍDUO PARA COM UM SENTIMENTO DE PERTENCIMENTO E IDENTIFICAÇÃO COM A MASSA COMO UM TODO

A MASSA COMO UM TODO SENDO DIFERENTE DE OUTRAS MASSAS PARA MANIFESTAR A RIVALIDADE ENTRE ELAS

TRADIÇÕES E COSTUMES ENTRE OS MEMBROS DA MASSA

DIVISÃO E ESPECIALIZAÇÃO DA FUNÇÃO DE CADA INDIVÍDUO NA MASSA

A satisfação desses aspectos garante a compensação na formação de uma massa, deste modo é a massa que elabora as decisões intelectuais e as entrega a seus indivíduos.

Para Freud, o que McDougall chamou de organização nada mais é que os aspectos perdidos pelo indivíduo ao se adentrar em uma massa.

Para finalizar, a citação das últimas palavras do capítulo III:

“Reconhecendo-se como objetivo dotar a massa dos atributos do indivíduo, lembraremos de uma valiosa observação de W. Trotter, que vê na tendência à formação da massa um prolongamento biológico da multicelularidade dos organismos superiores”.

 

Bibliografia

Freud, S. Psicologia das massas e análise do eu. Trad. Paulo C. Souza. Companhia das Letras